No 08 de março, UEPG traz pesquisadoras que pesquisam sobre mulheres | aRede
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No 08 de março, UEPG traz pesquisadoras que pesquisam sobre mulheres

A data tem um significado importante para a instituição, já que a maioria do corpo universitário é formado por elas: São 770 dentre professoras e agentes universitárias, de um total de 1066

UEPG destaca mulheres envolvidas em vários setores da economia
UEPG destaca mulheres envolvidas em vários setores da economia -

Publicado por Luciana Brick

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Longe das definições tradicionais, as pesquisadoras da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) são as que se desdobram no ensino, na pesquisa e na extensão. Neste 08 de março, Dia Internacional da Mulher, a instituição traz alunas e professoras que pesquisam sobre mulheres e gênero.

A data tem um significado importante para a instituição, já que a maioria do corpo universitário é formado por elas: São 770 dentre professoras e agentes universitárias, de um total de 1066. Entre as alunas, elas representam 681 (dos 1111 alunos) que se formaram em 2024. Neste ano, a previsão é de que ingressem 736 alunas, em comparação a 570 alunos. No campo da pesquisa, são 753 mulheres, dentre Mestrado, Doutorado e Especializações. Nesta área, os homens estão em 500 na UEPG. Ainda de acordo com dados da Pró-Reitoria de Pesquisa (Propesp), são 461 estudantes mulheres na Iniciação Científica, considerando Pibic, Pibiti, Bic e Pibic Jr, num total de 719. De algumas delas, a UEPG traz a trajetória agora:

Elas na educação transformadora

A educação transforma. Este é o lema que Bruna Emilyn da Silva leva para a vida. Ela é mais um exemplo de como a universidade pública pode abrir horizontes. “Sou a primeira pessoa a entrar numa universidade pública da minha família”. Foi aí que ela conheceu um novo mundo. Depois da graduação em Pedagogia pela UEPG, veio o Mestrado e Doutorado em Educação. “Antes de entrar aqui, eu não fazia ideia do que era um Mestrado, um Doutorado…foi a partir da Universidade que eu entendi o que eu poderia fazer”. O ato de se reconhecer na educação e ver nela um meio de mudança impacta diretamente na sua tese quase finalizada – Bruna estuda representações sociais de mães solo a respeito da educação infantil e do trabalho docente. 

“O trabalho relaciona a interseccionalidade de gênero, raça e classe dessas mulheres, para entender o que elas pensam da educação”, conta. Foram entrevistadas 155 mulheres atendidas pelo Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e moradoras da Ocupação Erickson John Duarte. “Então, o perfil de mulheres entrevistadas são negras, pobres e da periferia. Nós identificamos histórias marcadas pela violência, pela discriminação e pela segregação. Elas sentem esse impacto que a sociedade lhes causa”.

E quando as mulheres foram perguntadas o que elas pensam da educação, especialmente em relação aos filhos, as respostas eram parecidas: “elas respondiam que a educação é ser alguém na vida. Elas pensam que os filhos estando na escola terão um futuro melhor, terão uma vida melhor, então esse trabalho nos mostra que educação é um ato de resistência para essas mulheres”.

Enquanto mulher negra, Bruna diz que dar voz a outras mulheres negras é um ato de resistência. “É também um rompimento de estereótipos que colocam as mulheres em espaços segregados na sociedade. E eu pude fazer com que as da minha pesquisa fossem ouvidas”.

Elas na história

Quando se pensa em livros didáticos, normalmente se pensa em autores homens. É a partir dessa inquietação que a professora Ângela Ribeiro Ferreira, do Laboratório de Estudos sobre Formação de Professores e Ensino de História, olhou para o acervo de livros didáticos antigos e recentes. “Na História a gente tem vários nomes famosos, desde o século XIX, todos de homens, que escreveram livros didáticos sob encomenda, inclusive, no período ainda do Império, e depois da República”, conta. “Mas eu comecei a pesquisar e a encontrar várias professoras que escreveram livros didáticos, que eram usados em várias escolas. Algumas chegaram a alcançar quase que o país inteiro”. E é para contar a história dessas mulheres que contaram a História, mas que ficaram à parte dela, que a professora Angela está se dedicando a entender quem eram essas autoras.

Maria Guilhermina Loureiro de Andrade, Júlia Lopes de Almeida, Esmeralda Masson de Azevedo, Angelina Almeida do Amaral, Esmeralda de Abreu Lobo, Edésia Vieira, Rita Amil de Rialva. “São mulheres que fizeram muita coisa pelo Brasil e a gente não conhece”. Uma delas é nome de rua em Ponta Grossa – não pelos livros didáticos que escreveu, mas pelo envolvimento na literatura brasileira: Júlia Lopes. “A história da Júlia é muito interessante, porque ela foi uma das idealizadoras, junto com alguns outros escritores, da Academia Brasileira de Letras”, conta Ângela. Só que no momento de decidir os membros imortais da Academia, decidiram que só podiam participar homens. “Entrou o marido dela. As mulheres só foram entrar na metade do século XX em diante”. Além de contos, crônicas e romances, Julia também escreveu livros didáticos, tanto de leitura como de História.

Na UEPG, Ângela coordena o Laboratório de Estudos de Gênero, Diversidade, Infância e Subjetividades (Lagedis). A vocação para estudar gênero vem desde a década de 1990. Ainda durante a graduação, Ângela estudou a violência sexual contra meninas no começo do século XX, a partir de processos-crime. Formada, foi trabalhar como educadora social em um programa municipal de enfrentamento da violência contra crianças. “Eu sempre achei que os professores e professoras precisam saber minimamente sobre esse assunto para poder ajudar, inclusive, a identificar quando a criança for vítima, na escola, e ajudar a denunciar”. Ela leva essa visão para a formação de profissionais da História na Licenciatura e no Bacharelado e para a orientação de centenas de pesquisas de graduação, mestrado e doutorado.

Elas que abrem caminhos 

A professora Ronna Freitas de Oliveira hoje dá aulas no mesmo lugar onde um dia foi aluna. Docente do curso de Letras, ela é também pesquisadora transfeminista, que pesquisou política e legislação antitrans na sua dissertação de Mestrado em Estudos da Linguagem. “No período da minha pesquisa, muitas legislações antitrans começaram a ser protocoladas em várias casas legislativas no Brasil, e o curioso é que os textos muitas vezes eram exatamente os mesmos”, conta. O trabalho permitiu a Ronna também pensar em epistemologias trans dentro do campo da linguagem. “Agora no Doutorado, estou olhando mais pra memória transbrasileira, para pensar a nossa trajetória, que passos a gente já deu e o que podemos fazer na sequência”, acrescenta. 

Ronna conta que percebe uma movimentação, em que pessoas trans e travestis começaram a ocupar novos espaços. “Hoje a gente consegue ter um mínimo de acesso, em que temos pessoas formadas no ensino superior e pessoas eleitas em cargos políticos, por exemplo”. Ao ocupar espaços, surgem novas barreiras a serem ultrapassadas. Ela conta que defendeu a dissertação e foram necessários 11 meses para emissão do certificado, por conta de questionamentos sobre o trabalho. Por outro lado, Ronna destaca positivamente o fato de dar aulas no mesmo Departamento em que professores e professoras lecionavam aulas para ela. “Existe no curso de Letras um compromisso importante, pelo menos de boa parte do Departamento, no trabalho com grupos minorizados, com debates já há bastante tempo, então a minha presença aqui amplia a possibilidade dessa discussão”.

Ao pensar para além das paredes da UEPG, surge um alerta mais ampliado: “Existe em alguns campos específicos um tipo de ‘capital social’, quando se tem pessoas trans próximas. Muitos se aproximam de pessoas trans,  de pessoas negras, de pessoas indígenas, porque em certa medida isso as protege para que possam dizer que não são violentas, que não são excludentes, e isso nem sempre é verdade”. Com as novas experiências, a professora destaca o fato recente de aprender em como existir dentro de novos espaços, “porque a gente tem a presença de pessoas trans dentro do ensino superior de uma forma mais massiva recentemente”. Esta presença é recente também na UEPG. “Eu sou a primeira travesti a ser professora aqui, e eu não acho que só por ser uma pessoa trans, eu abro algum caminho, sabe? Eu não acho que isso é suficiente. A gente precisa agir para possibilitar essa abertura”. Embora sempre exista a iniciativa de reconhecer quem veio primeiro, ser só a primeira ainda é muito pouco. “Eu sou a primeira e ainda sou a única, e espero que por pouco tempo, porque isso traz uma sensação de isolamento muito intensa”.

Como uma professora travesti que está sempre em movimento, Ronna não fica parada: atua especialmente na Rede Trans Fernanda Riquelme, organização coletiva local, e no Preparatório Transviades, que entre outros trabalhos, auxilia pessoas trans a ingressar em Programas de Pós-Graduação pelo Brasil. Ser docente também traz a Ronna várias experiências positivas, especialmente na alegria em dar aulas. “Eu me divirto bastante, amo dar aula”, sorri. No trabalho de professora da disciplina de estágio, ela acompanha os acadêmicos em escolas da região. “Eu acho que também sou a primeira travesti que as escolas têm que lidar neste lugar [de professora universitária], então elas não podem me dizer ‘este banheiro não é pra você’, e não podem dizer isso para pessoas trans alunas na minha frente”. 

Se Ronna é uma professora exigente com seus alunos? A resposta vem com um sorriso e uma palavra: depende. “As licenciaturas são cursos que atraem principalmente um corpo trabalhador, com seus contornos raciais e de gênero e com demandas importantes de descanso, então eu procuro fazer atividades em sala”. A exigência vem ao cobrar que seus alunos consigam observar e perceber as diferenças que existem no espaço escolar. “A formação ética é a minha maior preocupação e eu tenho rigidez neste sentido, e não tanto com notas, eu fico mais feliz que meus alunos quando eles vão com 10 na média final”, adiciona. Com o livro de Jota Mombaça nas mãos, Ronna acaba refletindo sobre a própria existência nos espaços em que circula. “É sobre a possibilidade de construir uma comunidade, é a possibilidade de dar o truque, que é fingir em certa medida que o que a gente faz é o que querem que a gente faça, mas a gente tá fazendo o que a gente acha que tem que fazer”. 

Elas no empreendedorismo 

Qual o perfil das mulheres empreendedoras de Ponta Grossa? Esta pergunta permeia a pesquisa liderada pela professora do curso de Administração Comércio Exterior e do Mestrado em Economia, Adriana Fabrini. Foi a partir da disciplina de empreendedorismo, que leciona no Mestrado, que a ideia de expandir para a Iniciação Científica começou. Juntamente com a mestranda Claudiane de Fátima Clock e a graduanda Ellen do Porto Sviercoski, ela analisa um grupo de empreendedoras da cidade, ligadas à Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta Grossa (ACIPG).“São mulheres que além do empreendedorismo, cuidam da casa, têm filhos… então elas têm que se desdobrar”. Adriana aponta que as mulheres são líderes diferentes nos negócios. “São mais sensíveis, mais carismáticas e mais preocupadas com a equipe, e historicamente as pesquisas científicas precisam ser refinadas com esse olhar para as mulheres”, acrescenta. Adriana, Ellen e Claudiane, perguntadas o que é ser mulher e pesquisar sobre mulheres, demonstraram o mesmo sentimento. “A gente se entende”, respondem.

Para Adriana, fica a afirmação de que ainda é necessária uma valorização maior dos papéis representados na mulher na sociedade. “É nítido que um empreendimento gerido por mulheres tem a capacidade de agregar pessoas, de ser gerido de uma forma mais sustentável ao longo prazo, mas apesar disso, o empreendedorismo feminino não é valorizado”. E quando precisamos de alguém para cuidar, sempre pensamos em uma mulher, acrescenta a professora. “Estamos sempre presentes nesses papéis de cuidado, sempre recorremos a uma mulher, então o meu desejo é que possamos valorizar mais a atuação feminina na sociedade”. 

UEPG destaca mulheres envolvidas em vários setores da economia
UEPG destaca mulheres envolvidas em vários setores da economia |  Foto: Divulgação/UEPG
  

Elas no movimento estudantil

No quadro da sala de aula, Aldimara Catarina Brito Delabona Boutin escreve as palavras que para ela representam a última pesquisa que desenvolveu: “mulheres de luta”, “participação política feminina” e “mulheres estudantes”. Os termos refletem um trabalho de pós-doutorado, do PPG em Educação da UEPG, que buscou analisar a militância feminina no movimento estudantil, com foco nas ocupações de 2016. Quando conheceu as pessoas que participaram do ato em Ponta Grossa, não tinha como não lembrar das próprias experiências. “Rememorei alguns desafios que enfrentamos, como o equilíbrio entre a carreira e a vida pessoal, a pressão por atender a expectativas de comportamento e aparência, ou até mesmo situações de discriminação ou preconceito”.

Aldimara é uma pesquisadora que vive o ambiente escolar diariamente, já que também é professora no Colégio Agrícola Augusto Ribas (Caar). Ao entrevistar as mulheres de luta pelo movimento estudantil, ela reforçou o laço em comum de todas as mulheres: “Temos o desejo de sermos ouvidas, respeitadas e reconhecidas em igualdade de direitos”. A pesquisa destacou que o movimento estudantil como um  movimento social que tem uma trajetória marcada pela demanda da educação. “Com isso, vem se abrindo um debate sobre a representatividade política de mulheres”. Para Aldimara, a pesquisa ajuda a quebrar estereótipos limitantes atribuídas a mulheres, como o sexo frágil ou guiada por emoções. Sobre ser mulher e pesquisar sobre mulheres, a professora afirma: “traz para a reflexão coletiva as vozes silenciadas, os desafios que as mulheres enfrentam em diferentes contextos e a possibilidade de problematizar as estruturas sociais, culturais e históricas que moldaram e ainda moldam a vida de nós mulheres”.

Elas na história da ciência

Novembro do ano passado fez 30 anos que Christiane Philippini Ferreira Borges defendeu o Doutorado, que trata da ciência básica em fisicoquímica na área de espectroscopia, área que estuda a relação da matéria com a radiação. De lá pra cá, muito aconteceu e a docente do Departamento de Química permanece nesta área de estudos. “Eu amo espectroscopia”, sorri. Mas a paixão pela pesquisa encontrou barreiras que são comuns a muitas mulheres como ela. “Teve o machismo, e eu sou negra, então também tinha o racismo e o preconceito por eu ser nordestina”. Quando saiu de Pernambuco para estudar em São Paulo, esperava encontrar um ambiente com respeito, “porque as pessoas tinham alto nível de educação, então eu esperava que elas acreditassem na igualdade, mas a gente vê que isso às vezes não acontece, né?”.

Quando olha para trás, Christiane relembra como a mulher na pesquisa precisa superar muitas barreiras que não existem para os homens. “Eu tinha casa pra cuidar e tinha meu filho recém-nascido. Eu vinha para a universidade orientar trabalho durante a licença maternidade, porque parar a pesquisa perdia pontos frente às fontes de fomento”. Mesmo dividindo as tarefas com seu marido, o trabalho pesava para Christiane, e o mesmo ocorria com colegas. “Eu vivenciei cenas de colegas minhas com o seio explodindo de leite e o bebê delas em casa chorando. A gente tinha que sair para acudir, e deixava uma colega aqui dando suporte”. Questões de maternidade, muitas vezes, são vistas apenas pelas pesquisadoras mulheres, segundo ela.

“Como muitas vezes não estamos em cargos de direção em nível nacional, estes desafios foram deixados de lado por muitos anos”. A professora aponta a exigência da academia por produção científica de mulheres mães. O Conselho Nacional de Desenvolvimento CientÍfico e Tecnológico (CNPQ) neste ano estendeu o prazo de avaliação da produtividade científica para mulheres por cada parto ou adoção. “Mas antigamente, o tempo de maternidade não contava, e depois cada filho valia um artigo publicado, mas não se mede filho por artigo… isso não é uma coisa matemática”. As tarefas de cuidado acompanham as pesquisadoras durante toda a vida, “porque a gente não tem apenas o trabalho universitário, tem que cuidar dos filhos, depois que eles crescem e nós envelhecemos, temos que cuidar dos nossos pais”. A partir das vivências próprias e observando a experiência que viu de colegas, Christianne começou a perceber a importância da valorização das mulheres na ciência. 

A professora integra um projeto da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, chamado ‘Programa SBPC Vai à Escola’. “Percebemos que os alunos do ensino básico não conheciam mulheres que pesquisadoras pelo mundo, então integramos um projeto que leva cientistas para os alunos conhecerem”. Dentro deste projeto, a professora começou a orientar um de Iniciação Científica Júnior (Pibic Jr), chamado ‘Mulheres cientistas e suas pesquisas’. O objetivo é também chamar a atenção de meninas para a pesquisa. “Sentimos falta de mais mulheres nas ciências exatas e queremos que elas ocupem esses espaços”. E foi juntando a necessidade de mais mulheres na ciência e a paixão por espectroscopia, que Christiane hoje orienta as alunas do Ensino Médio Ana Beatriz de Mello e Isadora Eleonora Migliorini Ziguimundo. Ambas pesquisam a trajetória de mulheres cientistas.

Para a professora, quanto mais mulheres forem estimuladas a estarem na ciência, mais os debates sobre direitos podem avançar. “Vemos muitos avanços com mais inclusão de mulheres, mas ainda podemos ir mais longe”, finaliza Christiane. 

Elas na educação antirracista 

A mestranda Débora Ferreira Pinto está mergulhada no contexto escolar. O trabalho de Mestrado em Estudos da Linguagem se concentra em estudar percepções do racismo por alunos do ensino básico. Os aspectos de gênero e raça acabam por ser inevitáveis dentro da análise. “Eu busco analisar a experiência dos alunos sobre racismo e como eles visualizam e vivenciam isso dentro do ambiente escolar. Então, para investigar o fenômeno do racismo foi necessário também a gente tratar dessa questão de gênero”, salienta. O processo de investigação se baseou no que a autora Bell Hooks chama de comunidades de aprendizagem.

“Fizemos algumas leituras para eles entenderem um pouco do que que é o racismo, e eu percebi que alguns alunos já tinham sofrido racismo, mas eles não sabiam tipificar, dar nome para aquilo, então a partir desses encontros eles também se familiarizaram com o tema”. Como o trabalho acontece desde 2024, neste ano Débora já viu resultados. “Reencontrei uma aluna e vi como os olhos dela brilhavam quando ela me viu, muito por conta da representatividade da figura feminina”. E é isso que Débora busca acima de tudo: “Eu quero que minha pesquisa inspire mais alunos, quero dar voz a eles”. A mestranda é formada em Filosofia e trabalha no Colégio Regente Feijó.

Ser uma mulher em contexto educacional é ser referência para alunas. “Elas até já comentaram comigo que elas sentem uma liberdade de me contar algumas situações e também fazer denúncias”. Como pesquisadora, ela se inspira muito em Grada Kilomba e Conceição Evaristo, já que as próprias vivências influenciam diretamente na forma com que ela  realiza pesquisa. “Acredito na pesquisa como forma de resistência”.

Débora é do Quilombo Sutil, de Ponta Grossa, e também busca pesquisas que de fato tragam vivências. “Estamos cansados dos outros dizerem quem nós somos. Agora eu quero trazer a minha voz, colocar minha história, e também trazer a voz dos meus, das minhas alunas, dos meus alunos também, principalmente dos alunos negros”. A mestranda também revisitou memórias no processo de pesquisa, que acabou por mexer em feridas. “Mas também está sendo a minha cura, pois é um momento de afirmar minha existência”.

UEPG destaca o trabalho das mulheres
UEPG destaca o trabalho das mulheres |  Foto: Divulgação/UEPG
 

Elas na educação matemática

O futuro reserva uma dissertação de mestrado inovadora para Érica da Silva Conrado. Formada em 2024, ela pretende trazer reflexões sobre o papel de professoras trans dentro do ensino da matemática no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática. “A minha proposta é analisar a jornada acadêmica, desde quando elas entram na universidade, a sua permanência e também a sua atuação enquanto docentes”, explica. A aprovação como aluna de Mestrado foi recebida com alegria e altas expectativas para a nova fase da egressa do curso de licenciatura em Matemática. “É muito importante a gente dar voz à nossa comunidade, que é ainda muito marginalizada. E eu entendo que, no local em que eu estou hoje, eu posso pesquisar sobre as minhas”. 

Érica tem referências de amigas que fazem pesquisas na mesma área em que ela propôs o pré-projeto. “Eu vejo que essas pesquisas foram importantes para que eu também pudesse entrar na área e pesquisar sobre as mulheres trans”. Para ela, a ideia de que a área da Matemática e das Ciências Exatas é dominada apenas por homens já está mudando. “Na minha sala já havia mais mulheres do que homens, mas quando falamos de pessoas trans, já é algo mais complicado, então é muito importante que ocupemos estes espaços”.

A meta agora é produzir materiais científicos que sirvam como referência para futuros pesquisadores. “Eu quero muito seguir a área acadêmica, tenho muitas inspirações na minha família, tenho também uma colega minha, a Erikah Alcântara, que é uma mulher trans e professora de matemática, então eu começo a ver que existe essa possibilidade e eu quero chegar lá”. É importante que se tenha mais literatura acadêmica sobre mulheres trans na educação, conforme salienta Érica. “Existe uma dificuldade de encontrar pensadores nessas áreas, então eu vejo como muito importante contribuir como uma professora e mulher trans”.

Elas na divulgação científica

Quando perguntados sobre quais são os cientistas que conheciam, os alunos de Ensino Médio de Ponta Grossa mal lembraram das mulheres, e alguns apenas citaram Marie Curie, uma física e química franco-polonesa, que conduziu pesquisas pioneiras sobre radioatividade. Foi aí que a professora Leila Freire, em parceria com a docente Bettina Heerdt, criou o projeto Mulheres na Ciência. “Surgiu de um questionamento, pois estávamos em uma escola muito próxima da UEPG, e os alunos não sabiam que aqui também se produz ciência”, relembra. A partir disso, surgiu a ideia de divulgar as mulheres cientistas da UEPG, no sentido de engajar mais meninas na ciência. 

Leila sempre trabalhou com a arte e com a divulgação científica, o que culminou na criação do Grupo de Teatro Científico da UEPG. “Em 2023 ainda, quando nós fomos fazer a proposta de uma nova peça, nós achamos que era prudente fazer uma sobre mulheres na ciência, então nada melhor do que pegar histórias de cientistas locais”. Do projeto de pesquisa, também surgiram exposições, fotografias e obras de arte, produzidas a partir de entrevistas com as pesquisadoras. Para Leila, trabalhar com trajetórias e histórias de vida é algo que sempre a moveu. “Isso encoraja outras pessoas a também fazer, porque você vê uma materialidade muito real, você vê pessoas que são como você e que fazem coisas legais na ciência”.

O planejamento agora é trazer um projeto que divulgue mulheres e meninas nas ciências exatas, projeto que foi submetido ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ano passado. 

Pesquisar sobre mulheres acaba por esbarrar na própria trajetória, de acordo com Leila. “A gente entende que precisa de modelos femininos na ciência, senão a gente não vai ter mais meninas na ciência, então este projeto é um processo de formação também”. Leila destaca que divulgar a ciência é fazer com que as pessoas entendam que a ciência é feita por pessoas. “São humanos como nós, com todas as suas características, com todas as suas dificuldades, não são super-heróis, então divulgar é fazer com que as meninas entendam que elas também podem”. 

Elas no protagonismo feminino 

A pesquisa de Lorena Zomer começou no Museu do Imigrante Holandês de Arapoti. “Me incomodou muito o fato das mulheres não aparecerem nem na exposição, nem no enredo do Museu”, conta. A partir de entrevistas que fez com as mulheres, para compreender qual era o lugar delas naquele espaço, Lorena começou a debater o espaço da mulher na memória, em relação a objetos, vivências e memória social. “Em uma dessas entrevistas, eu fui para minha pesquisa mais atual, que é o Quilombo de Arapoti”. A Comunidade Quilombola Família Xavier é a 38ª comunidade reconhecida pela Fundação Cultural Palmares no Paraná. A Família Xavier era umas das mais importantes do Paraná, e todas as pessoas que pertenciam a eles eram da família Xavier, conforme explica Lorena. 

“Esta família perdeu a sua relação com o espaço no último século e foi se espalhando por todo o Paraná, e agora estão em processo de aquilombamento, e isso é liderado por mulheres”, explica. Aquilombamento é o processo em que pessoas se reconhecem como comunidade e, como tal, têm manifestações sociais e culturais próprias, uma tecnologia ancestral que sobrevive nas periferias e comunidades. “Eles perderam completamente o direito quando eles foram expulsos de lá, e agora este processo de retorno e de conquistas de direitos está sendo liderado pelas mulheres do Quilombo”.

Ser mulher e pesquisar sobre mulheres, para a professora dos cursos de História da UEPG, tem uma estreita relação com as minorias, “porque apesar de nós mulheres hoje estarmos em todos os lugares, nós ainda morremos e apanhamos dos companheiros, ainda somos demitidas depois da licença maternidade e ainda somos questionadas por nossas roupas”. São vários os motivos para debater sobre gênero em contextos sociais, culturais e políticos. “Não é um sexo ou a construção da ideia de um sexo que nos define daquilo que nós podemos fazer, então acho que essas pesquisas devem continuar, mas principalmente elas devem beneficiar pessoas que ainda não adquiriram uma equidade social, tanto as mulheres quanto outros grupos que são minorizados”, completa. 

Das Assessorias 

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